Liguei o Switch, abri o Retroarch, fui para o próximo jogo da lista: Thunder Force II. Não conhecia nada da franquia. Comecei a jogar. Morri. Morri. Morri. Morri. Game Over.
Seria o tradicional em um jogo de nave bem difícil, mas eu sequer entendia o que estava acontecendo. Era um jogo de nave com visão por cima, a minha nave andava automaticamente, ondas de inimigos vinham do nada e havia paredes móveis que me matavam.
Fosse em outros tempos, eu abriria outro jogo no emulador e nunca mais jogaria Thunder Force II. Posso até já ter feito isso no passado e não lembrar desse jogo. Agora, não posso fazer isso mais. Preciso zerar.
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O Mega Drive começou com muitos jogos com II no título, né? Será que gerava confusão na hora de vendê-los, com pessoas procurando um primeiro título que não existia para aquele videogame, ou ninguém se preocupava com isso?
O primeiro Thunder Force saiu para vários computadores japoneses: X1, PC-8801 mkll e FM-7. Thunder Force II saiu, primeiro, para um computador japonês chamado X68000. Simpáticos os nomes desses computadores, né? Bem amigáveis e fáceis de decorar. O X68000 possuía um CPU 6800 da Motorola, o mesmo processador do Mega Drive, mas com maior velocidade. Dei uma olhadinha no Youtube e a versão de Thunder Force II para X68000 é mais bonitinha, com mais efeitos e até uma introdução contando a história. É possível emulá-la usando o MAME e emuladores específicos, para quem quiser experimentar esta versão. Não fui tão longe.
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Este começo da Mega Maratona será cheio de contextualizações.
Não lembro de ter jogado nenhum jogo de nave no meu Mega Drive na infância/adolescência. Sendo sincero, eu também não tinha muito interesse. Acho que eram jogos impessoais demais para mim. Até ganhei um M.U.S.H.A. quando comprei um Mega Drive pelo Mercado Livre (o Mega Drive que ganhei quando era criança queimou), mas eu já era adulto e mal testei o jogo. Está na casa da minha mãe, pegando poeira. De qualquer forma, nunca senti que jogos de nave fizeram falta: o Mega não era tão famoso pelos seus jogos de nave como o PC Engine e o Super Nintendo. Ninguém falava “Como assim você teve um Mega Drive e não jogou [um jogo de nave]?” como falariam se eu dissesse nunca ter jogado Sonic ou Streets of Rage.
Fui jogar jogos de nave para valer quando Jamestown foi lançado em 2011. Amo este jogo, só de escrever o nome dele já me dá vontade de zerá-lo novamente. Desde então, zerei vários jogos do gênero. Não que eu seja bom, é só que eu gosto. A mistura de música boa e reflexos apurados faz com que, de vez em quando, eu me sinta dissolvendo dentro do jogo. Assim como RPGs podem te fazer imergir dentro daquele mundo, história, personagens e acontecimentos, jogos de navinha podem te fazer adentrar aquela adrenalina maluca. Sinto que paro de pensar e que minha consciência se desfaz, e até morrer eu me torno uno com o jogo. É uma sensação deliciosa, que deve justificar a existência do gênero (em vários subnichos) até hoje.
E Thunder Force II me deu esta sensação uma vez. No final da terceira fase consegui, pela primeira vez, chegar ao chefe. Eu não tinha mais nenhuma vida sobrando, se ele me acertasse eu morreria. Eu não tinha nenhuma arma especial, estava armado apenas com o tiro inicial. Me afastei, vi que ele avançava e que vinham tiros de cima. A adrenalina no céu, consegui entender o padrão, me posicionar e depois de muita esquiva e tiros, derrotá-lo. Eu estava com os reflexos aguçadíssimos: cheguei até a metade da próxima fase sem conhecê-la. Após morrer joguei a fase de novo e durei pouco tempo. Eu tinha saído daquele estado especial. Foram horas até conseguir passar a fase.
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Jogos de nave parecem ser simples, mas há uma profundidade enorme sob a superfície. Dicas simples, focadas nas estratégias por trás dos jogos, ajudam muito os jogadores novatos. Prestar atenção no entorno da nave ao invés de nos inimigos mais distantes, por exemplo. Ou pensar que jogos de nave são, majoritariamente, jogos de sobrevivência, não de ataque. Talvez um dia eu explique isso com mais detalhes.
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Controlando a nave Thunder Force II você deve ajudar o pacífico planeta Nebula a resistir a outro ataque do sistema da Estrela Solitária. Pelo menos no manual nacional e estadunidense, porque o nome da nave na versão japonesa é FIRE LEO-02 Exceliza. Nomes de naves são muito importantes para fãs de jogos de nave (e de séries espaciais, também). E não é só o nome que mudou na tradução: parece haver algumas diferenças na história. Na versão japonesa a Exceliza vai para uma missão de infiltração, o que faz mais sentido dentro do jogo.
Há cinco fases. As quatro primeiras são divididas em duas partes: a primeira é com a visão por cima; a segunda, um jogo de nave horizontal. A última fase só tem a parte com a visão por cima. Quando você perde todas as suas vidas você volta para o começo da parte que está. Há seis continues.
Há até bastante variedade. A primeira fase começa em um labirinto. Porque diacho começaram o jogo de nave com um labirinto eu não sei. O mapa é infinito: quando você vai o máximo para a direita, chega na esquerda do mapa. O mesmo vale indo para cima ou para baixo. É como se a Exceliza circundasse aqueles pequenos mapas. Para sair deles você precisa encontrar e destruir alguns inimigos específicos. A segunda parte da fase é um jogo de navinha mais tradicional, com visão lateral. E o jogo vai alternando entre visão por cima e visão lateral.
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Até a primeira parte da terceira fase Thunder Force II é um jogo difícil, mas jogável. A partir desta terceira fase, a dificuldade aumenta de maneira abrupta e artificial. Mais que difícil, o jogo fica injusto. Reagir não basta, é preciso decorar. Há muitas armadilhas mortais, como um corredor que não dá em lugar nenhum ou um subchefe gigantesco que aparece nas suas costas te mata caso você esteja no meio do canto esquerdo da tela (o lugar mais provável de se estar). Thunder Force oferece 6 continues e dá para ganhar vida com pontos, mas isto não basta quando o jogo quer que você morra.
Primeiro vídeo da newsletter, espero que não se incomodem. Repare como, mesmo estando o mais à esquerda possível para combater o fascismo ver o máximo do cenário, é impossível notar que há um caminho sem saída e que te mata por causa da progressão automática da tela.
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Dá para dividir os jogos de nave em dois tipos: os que você alterna entre estar poderoso e fraco, e os em que você está sempre fraco mas tem uma quantidade limitada de especiais poderosíssimos, que normalmente destroem tudo na tela. O primeiro tipo é mais comum em jogos mais antigos, o segundo é mais comum em bullet hells. Thunder Force II é um representante do primeiro tipo. Você pode pegar vários poderes e alguns fazem de você uma máquina da morte, obliterando tudo pela frente. Se você for atingido, você volta a ser uma pequena nave inocente e indefesa em meio a um mar de inimigos e armadilhas.
O jogo diversas vezes requer uma movimentação bem precisa usando diagonais, e o controle do Mega Drive não foi feito para isso. Um analógico cairia bem, mas decidi jogar só com o controle “original”. Muitas vezes, para chegar a um caminho, era mais prático ir andando na vertical e horizontal ao invés de na diagonal. Era como percorrer os catetos de um triângulo retângulo para evitar a hipotenusa. Quando você morre por falta de habilidade, é chato. Quando você morre porque o controle atrapalha as movimentações precisas que o jogo exige, é revoltante.
Nas fases com visão por cima a Exceliza segue adiante o tempo todo, sem nunca parar. Faz sentido. Ela é um avião, não um helicóptero. Aviões não ficam parados no ar. Só que estes ambientes são sempre confinados, e muitas vezes é mais fácil morrer para o cenário do que para os inimigos. O que faz do piloto um profissional bem patético. E o piloto sou eu. Faz sentido, também. Mas dá um tom estranho para o jogo.
A imersão é parte importante dos jogos de nave, por isso geralmente os pilotos têm no máximo um codinome. Eles são você. É, você mesmo, você com este controle na mão. É mais fácil identificar-se com um piloto que você nunca vê do que com um bárbaro bombado chamado Bob ou uma elfa esguia chamada Sweeeleafofthegoldenlake. Há até uma relação mais direta entre controlar uma nave com um controle do que a relação de controlar uma pessoa com um controle. Por isso acho curiosa esta sensação da nave ser meio desastrada, e dos acidentes muitas vezes serem mais perigosos que os inimigos.
A quebra de imersão é um problema grande para mim. Lembro que uma vez fui jogar um jogo de Dragon Ball Z para o Gameboy Advance e fiquei chocado ao ver que o Goku morria para cobras ou lobos. Uns anos atrás parei de ler um livro de fantasia medieval quando um personagem chamou o outro de covarde falando algo do tipo “se não tem coragem não desce para o play”.
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Minha outra reclamação é sobre os botões: há vários poderes especiais que você vai coletando e que são mostrados em fila na tela. Você pode facilmente alternar entre eles: vai para o próximo poder com o botão C, e volta para o anterior com o botão A. O botão de tiro é o B. É tudo bem intuitivo, mas não há vantagem alguma em não segurar o botão B, que atira, o tempo todo. É começar a jogar e deixar o dedo apertando este botão. Cansa. Alguns outros jogos têm esse pequeno problema, como Cuphead e vários jogos de corrida em que nunca precisamos tiramos o dedo do acelerador.
Há um outro problema em relação aos controles, mas ele é um problema do próprio formato e tamanho do controle de Mega Drive. Um dia falo mais a respeito.
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Após muito jogar cheguei à conclusão que não conseguiria zerar sem usar save states. Usei para simular continues infinitos: salvava no começo de cada fase, sem nenhuma arma especial, e jogava até dar game over. Aí, carregava o save. O “não conseguir zerar” não se refere à minha habilidade, e sim à minha paciência. O jogo me fazia de trouxa e, ao voltar para jogá-lo, eu me sentia realmente estúpido. Sabe aquele ditado "Me engane uma vez a culpa é sua...me engane duas vezes e a culpa é minha"? Me senti mais culpado que Judas Iscariotes. O jogo me enganou inúmeras vezes e eu sabia que seria mais enganado mais para a frente.
A última fase em especial é uma aula de como drenar toda a diversão de um jogo. Você voa ao redor de uma fortaleza voadora (um conceito muito legal) destruindo algumas bases. Elas jogam projéteis mais rápidos que sua nave, então você tem que esquivar-se antes dos ataques (que são aleatórios). É mais fácil destruí-las com ataques suicidas que jogando normalmente. Após destruí-las, você precisa adentrar um corredor estreito enquanto turrets te atacam, o que deixa tudo ainda mais parecido com o final de Star Wars: o Luke Skywalker destruindo a primeira Estrela da Morte. Então, o jogo começa a jogar sua nave para a direita ou para a esquerda aleatoriamente. Você bate contra as paredes do apertado corredor e morre uma das mortes mais anticlimáticas que já vi em um jogo. Foram várias e várias e várias tentativas até destruir um canhão no final do corredor e finalmente ver os créditos.
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Quando, finalmente, terminei a última fase, estava enauseado. Literalmente. A junção de um cenário labiríntico e controles imprecisos me deu ânsia de vômito. A vitória foi vazia. Não me senti orgulhoso, não havia adrenalina, eu só me senti... besta. Por que zerar algo assim? Por que passar por isso?
Os próximos jogos não são muito bons. Alguns são interessantes, outros nem isso. Se eu focar em um jogo, sei que vou desanimar. Tenho que focar no processo: zerar todos os jogos é algo muito legal para mim. Estou me divertindo com a maratona, mesmo que muitas vezes não me divirta com os jogos. E alguns jogos ruins podem deixar o próximo jogo bom ainda mais delicioso. Só torço para que não demore muito.
Dicas:
Apertando A e Start ao mesmo tempo na tela de títulos te leva para a tela de opções. Nela, dá para praticar as fases 1-4 na dificuldade normal, e a fase 5 na dificuldade hard. Na dificuldade easy só é possível começar na primeira fase.
Na tela de opções dá para escolher rapid fire. Com esta opção ativada, basta segurar B para que os tiros saiam ininterruptamente. É uma opção quase obrigatória para jogar Thunder Force II e não machucar o dedo com esforços repetitivos.
Cenas dos Próximos Quilômetros:
Zerei o World Cup Championship (SEGA Soccer). A próxima newsletter será sobre ele ou sobre Last Battle.
Tenho feito um progresso lento mas divertido em Ghost ‘n Goblins.
Preciso aprender as regras do baseball e encarar Super League.
Nunca cheguei nem perto de zerar Thunder Force II, e um dos motivos é a primeira fase que eu acho um saco. Como você disse, esses jogos exigem mais paciência do que habilidade, e a minha paciência não ia resistir a ter que jogar a primeira fase todas as vezes que eu fosse encarar o jogo.
Pelo que você falou do resto do jogo, acho que fiz bem em desistir cedo ^_^ Mas jogos de nave têm muito isso de você ter que decorar as fases. R-Type, por exemplo, eu digo que é um balé espacial: você tem que saber onde se posicionar, dançar com as outras naves, se mover pelo palco conforme o combinado. Impossível zerar sem memorizar. É muito gratificante quando você consegue, porque o jogo flui mesmo como uma dança, mas haja tempo e paciência pra chegar nesse ponto.