Era 1988. O mercado dos jogos estava dominado pela Nintendo com o NES, o famoso Nintendinho. A SEGA ia comendo pelas beiradas há anos. Sua estratégia era simples: lançar videogames mais poderosos que a concorrente. Primeiro foi o SG-1000, que ganhou algumas revisões. Depois veio o mais poderoso Sega Mark III, baseado no SG-1000. Não reconheceu o nome? O Mark III foi lançado no ocidente como Master System e fez um sucesso enorme no Brasil, fruto da excelente estratégia de marketing TEC TOY. Só que a SEGA ainda continuava muito atrás da Nintendo em vendas no Japão. Ela precisava de ainda mais poder, em um novo videogame criado do zero. Vinha aí o Mega Drive.
A estratégia de lançar ports de jogos de fliperama em videogames mais potentes que o da Nintendo era a mesma da segunda colocada em vendas no Japão: a NEC, com seu videogame PC Engine, injustamente ignorado no ocidente. A estratégia de ambas as empresas era tão parecida que ambas foram transformando seus videogames em megazords com diversos apetrechos como o SEGA CD ou o CD-ROM². A Sony sugeriu algo similar para a Nintendo, que topou e depois apunhalou a parceira pelas costas. A Sony, então, refez seu acessório para que ele fosse um novo videogame, e foi assim que surgiu o PlayStation.
Na época, havia uma forte divisão entre os jogos de fliperama e os de videogames. Os de fliperama eram mais bonitos, mais rápidos, mais coloridos. O sonho de todo mundo era ter um fliperama em casa. E foi isso que a SEGA fez, ou pelo menos prometeu: você pode ter um fliperama em casa.

Infelizmente para a SEGA, a Nintendo não tinha poder mais tinha ótimos jogos. O Mega Drive foi lançado no Japão em 29 de outubro de 1988, uma semana depois do Super Mario Bros 3 ser lançado para o Nintendinho, por exemplo. E até hoje parece que a Nintendo brilha mesmo quando ela está na desvantagem técnica.
O Mega Drive foi lançado no Japão junto com os jogos Space Harrier II e Super Thunder Blade. Altered Beast veio um mês depois do lançamento. O videogame foi lançado nos Estados Unidos com o nome de Genesis em 14 de agosto de 1989 e, além destes jogos já citados, tinha como jogos de lançamento Altered Beast, Last Battle, Thunder Force II e Tommy Lasorda Baseball.
Dentre esses jogos, foi Altered Beast que acabou se tornando a cara do Mega Drive no ocidente. Dá para ver na propaganda que coloquei logo acima: ele é o jogo na TV. Claro, a fama toda durou apenas até um certo ouriço aparecer em 1991 e roubar o pódio. Mas isso é outra história...
Altered Beast, na época, deveria ser MUITO impressionante. De cair o queixo mesmo. O jogo mal tinha sido lançado em um fliperama e já saía para um videogame em um port que, se não era tecnicamente perfeito, era muito bom.
Infelizmente o jogo em si não era perfeito. Nem ao menos era muito bom. Com boa vontade posso chamá-lo de mediano. Vamos, por enquanto, nos focar na parte do impressionante.
Este é o Altered Beast lançado para fliperamas:
E esta é a versão para Mega Drive:
Se você me disser que a versão de fliperama é mais bonita, vou concordar. As vozes (Rise, warrior!) da versão fliperama são muito mais límpidas. A jogabilidade do fliperama é, sem dúvidas, melhor. Isso, no fundo, não importava. O que importava mesmo era que o Nintendinho nunca conseguiria fazer algo tão próximo de um fliperama. Para fins de comparação, este é o port de Altered Beast para o Nintendinho:
O jogo de Mega Drive tinha todas as fases, era parecido o bastante, tinha vozes digitalizadas (levemente) compreensíveis. Era o fliperama na sua casa. Um fliperama ruim, mas ainda assim um fliperama.
Quando estava no ensino fundamental, creio que lá para a 7ª Série (hoje 8º Ano em Minas Gerais) descobri que outro aluno tinha um Mega Drive. Combinei logo de emprestarmos jogos, mas ele só tinha dois: um era Sonic The Hedgehog, que eu já tinha; o outro era Altered Beast. Emprestei meu Splatterhouse 3 e fui, empolgado, jogar Altered Beast. A empolgação durou até eu ligar o videogame. Eu não jogava nenhum jogo novo há meses, mas não conseguia me enganar. Eu não conseguia me divertir com aquele jogo e me sentia até culpado por isso. Era como se eu estivesse perdido no deserto, encontrace um açude e, ao beber a água, chegasse a conclusão que eu não estava com tanta sede assim. Devolvi o jogo e, por meses, o rapaz (que não me lembro o nome) insistiu para que eu trocasse Splatterhouse 3 pelo Altered Beast. Eu, sabiamente, sempre disse não, mas acho que o emprestei Splatterhouse 3 vezes o bastante para que ele o zerasse.
A criação do jogo é de Makoto Uchida, que depois faria os famosos Golden Axe. Altered Beast tinha um conceito legal: o protagonista é um centurião que se transformava em outras criaturas: um lobisomem, um dragão, um homem-urso e um homem-tigre. Foi revivido por ninguém menos que Zeus com o objetivo é resgatar Atenas das mãos do vilão Neff.

No jogo você vai andando para frente e descendo a pancada. As sprites são grandes, mas estranhas. O dragão parece um retângulo e se move de um jeito duro. A sensação de controlá-lo é a de estacionar um Monza tubarão em uma rua estreita durante uma chuva pesada. Boa parte das personagens parecem furries, o que faz sentido na versão de fliperama, já que nela tudo é um teatro. Na versão de Mega Drive esta informação se perdeu, então as personagens ficam apenas estranhas. O protagonista vai encolhendo a cabeça conforme fica mais forte, o que é mais divertido que o próprio jogo. É preciso juntar três esferas para se transformar em outra criatuar, e elas são obtidas de lobos de duas cabeças. O manual fala em três cabeças, mas o lobo claramente só tem duas cabeças tanto no jogo quanto no manual, o que exemplifica bem o descaso com o qual este jogo foi feito.
Altered Beast é um jogo travado demais, duro demais, parece que você está sempre lutando contra o protagonista e não por ele. Que tudo que ele faz é contra a vontade, como um animal mal adestrado. Tudo é simples demais: dá para aprender truques baratos para derrotar com facilidade os chefes. O jogo é bem curto, só tem cinco fases. Não que ser curto seja um problema em si, eu adoro jogos curtos e diretos, mas em Altered Beast só temos um tempinho para explorar cada forma animal, que são o maior atrativo da coisa toda. Se descontarmos as lutas contra os chefes, deve ser menos de um minuto com cada.
Não há tela de continue. Perdeu todas as vidas? Basta segurar A e apertar START para continuar do mesmo lugar em que você parou. B + START na tela de título te leva para o menu de opções. O problema é que essas informações só estão disponíveis no manual, e muita gente não o lia. As locadoras sequer tinham manuais.
Altered Beast marcou época, ganhou vários ports e até expansões. É um exemplo cristalino de sua época, e um símbolo desta primeira leva de jogos de Mega Drive. Bom não é, mas cumpriu seu papel de impressionar e certamente ajudou a colocar a Nintendo em xeque. Afinal, a SEGA já tinha jogos bonitos. Se ela tivesse jogos bons, a Nintendo ficaria em sérios apuros.
Cenas dos Próximos Quilômetros:
Thunder Force II ficou para trás., junto com minha alegria de viver.
Comecei a rejogar World Cup Championship, o SEGA Soccer da fita 10 em 1. Ainda não decidi se vou zerar novamente os jogos que já zerei na infância, mas este vou porque ele é curtinho.
Preciso voltar para Ghost ‘n Goblins!
Cenas dos Últimos Quilômetros:
O meu amigo Fernando Cortez me contou que ele tinha um minigame de Space Harrier, e que o pai dele adorava. O minigame foi lançado oficialmente pela TecToy!
Dicas:
Todo chefe é fácil de ser derrotado com truques baratos, até o último. No caso dele basta ficar agachado soltando bolas de fogo sem parar. É um truque barato, mas o chefe é apelão e o jogo já é meio capenga…
Eu fico com a maior raiva quando falam mal de Altered Beast! E o que me dá mais raiva é que é tudo verdade ^_^
O que o jogo tinha de especial é algo impossível de vivenciar hoje: shock power. Quando o Mega chegou aqui no Brasil e a gente via aquela cena do cara virando lobo na TV, holy shit! Era ridiculamente superior a qualquer coisa que a gente já tivesse jogado. Todo mundo via e queria um Mega. O jogo ser uma droga era só um detalhe.
Na época eu não tinha grana pra um Mega, então comprei Altered Beast pro meu Master System. Li o manual várias vezes, até hoje sei os nomes de alguns inimigos. O maior legado do Altered Beast de Mega Drive deve ser a música da primeira fase, que imagino que desça redondo até pra quem tá ouvindo pela primeira vez hoje.